sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Parte III

O Poder da Norma


Pg 85

“A função primária dos jornais é comunicar à raça humana o que seus membros fazem, sentem e pensam”.

Do código de ética da American Society of Newspaper Editors


Capítulo 1 - Primado das Organizações – Pg 87

Como assinala Etzioni, vivemos numa sociedade de organizações, somos educados por organizações e a maioria de nós passa a vida a trabalhar para organizações. Por isso se atribui, em nossos tempos, tanto valor ao racionalismo, à eficiência e à competência. Na sociedade moderna, poucas formas de agrupamento social têm a racionalidade, a eficiência e a competência das organizações empresariais.”

“Uma organização tem sempre objetivos específicos; sua razão de servir a esses objetivos”, diz Etzioni. Por isso existem nas empresas sistemas de autoridade que legitimam instâncias de poder e controlam pessoas.”


Pg 88

“Nas chamadas grandes redações, como em qualquer outra organização, o poder que determina ou tolera as decisões no dia-a-dia jornalístico, ainda que de origem desconhecida, é também exercido por meio de normas claramente estabelecidas. No caso da Folha de S. Paulo, uma parte importante das normas formalizadas tem o nome de Manual. Cada jornal possui o seu, e por ele impõe ou tenta impor, ao seu universo produtivo, um código técnico de redação e um sistema ideológico ou prático de valores

“A Pragmática trata dos aspectos psicológicos e culturais dos processos de comunicação, o que, de alguma forma, envolve os modernos manuais de redação dos grandes jornais, pela influência que podem exercer sobre as intenções e o comportamento jornalístico de editores e repórteres, nas suas relações entre si, com as fontes e com os leitores. Ou pelos propósitos utilitários que impõe ao produto”.


Lei do mais forte – Pág 92

A “lei do mais forte” foi formalizada, para conhecimento prévio de todos e compromisso de obediência, naquele manual considerado hoje, pela própria folha, “draconiano e impositivo”. Era um manual de característica militante” (para usar outra adjetivação com que o Novo Manual da Redação contempla a versão pioneira de 1984, ao comentá-la), pensando e feito para disciplinar ou expulsar da redação todas as resistências ao projeto.


Novo manual – Pág 94

Cinco anos depois, com o projeto consolidado, o Novo Manual da Redação, (1992) amenizou o tom autoritário das versões anteriores. A revelação das relações de poder entre diversas instancias de controle e produção foi abolida do documento público, oferecido ao mercado como produto de imagem institucional. A nova redação do manual é suavizada por tons filosóficos e culturais, e por conceitos e conselhos jornalísticos mais detalhados.”

Mas o manual continua a ser um regulamento organizador da prática do poder de informar e influenciar a opinião pública, estabelecendo, como mecanismo regulador, um sistema particular de produção. A escala hierárquica e a norma burocrática do poder fazer continuam , vivas, em cada verbete do manual, determinando e controlando comportamentos, valores, idéias, para submeter pessoas a vontades aos objetivos da organização.”


Pg 95

Este novo manual representa, entretanto, um avanço sob o ponto de vista conceitual.

Está organizado em quatro capítulos:

1) “Projeto Folha”, com os princípios editoriais do jornal, a conduta esperada dos profissionais da Folha e reflexões sobre temas jornalísticos;

2) “Produção”, com recomendações sobre a coleta de fatos em uma reportagem: precisão, checagem de informações e tratamento de personagens;

3) “texto” , com normas gramaticais, advertências sobre erros freqüentes, observações de estilo e padronização de linguagem;

4) Edição”, com recomendações sobre hierarquização e apresentação do material jornalístico”.

“Existe, também, um vasto e bem organizado conjunto de Anexos, com informações úteis ao dia-a-dia jornalístico”.


O controle pela gramática – Pg 96

“O manual de Redação e Estilo, organizado e editado pelo jornalista Eduardo Martins é, principalmente, um livro que ensina a evitar erros, tendo como base a tradição e os hábitos lingüísticos do próprio O Estado de S. Paulo. Sob esse ponto de vista, é um livro útil.”


Capítulo 2: Muitos Propósitos, poucos princípios – Pg 98

“O manual do Estado estabelece que o título deverá obrigatoriamente ser extraído do lead; se isso não for possível, “refaça o lead, porque ele não está incluindo as informações mais importantes da matéria”. Esse é um padrão clássico de feitura de títulos.”

Para que servem os manuais:

No plano externo, cumprem o objetivo de elaborar imagem institucional que estimule e mantenha demandas: Circulam no mercado como produtores editoriais, tornando-se um best sellers. Internamente, os manuais não conseguem sobrepor-se aos interesses particulares dos diversos intervenientes – talvez porque, como sentenciou Kant, o interesse não pode ser imposto; é uma categoria da liberdade, do amor-próprio, um ato livre da vontade.”

“É verdade que, enquanto discurso, cada manual de redação forma um conjunto lógico de enunciados normativos, estabelecendo “verdades” constitutivas de um saber (fazer jornal) oficial e inquestionável, emitido pela organização para um universo fechado, especializado e dependente. Objetivo: Impor uma linguagem-padrão, e normas de ação, tendo em vista a obtenção, em escala econômica, de um produto cultural com determinados atributos de conteúdo e forma.”

“A ausência de uma ética de comunicação pública, que tanto afeta o jornalismo brasileiro, projeta-se naturalmente nos conceitos introdutórios dos manuais. E para salientar o caráter meramente utilitário dos nossos manuais, propomos uma comparação com o manual do El País, Madri, que começa com o estabelecimento dos seguintes princípios.”


Capítulo 3 – Patologia Complexa – Pg 105


Os sintomas – Pg 108

“O escamoteio ou a distorção de informações: as pautas motivadas por interesses particulares não revelados; a irresponsabilidade com que se difundem falsas informações ao público; a acomodação dos repórteres a um jornalismo de relatos superficiais; os textos confusos e imprecisos; a facilidade com que a imprensa escolhe, sem apurar, denuncias que favorecem ou prejudicam alguém; a freqüente prevalência dos objetivos de marketing sobre as razões jornalísticas; o desprezo pelo direito de resposta; a arrogância com que se protege o erro e se faz a apropriação anti-social do direito à informação (direito do leitor) – são claros sintomas de um desequilíbrio de identidade do jornalismo, enquanto função social”.

“O jornalismo brasileiro não sabe muito bem por que faz o que faz – mas sabe, e parece que muito bem, para que faz. Entretanto, as definições mais tradicionais e respeitáveis de jornalismo indicam que o diagnóstico ideal devia ser exatamente o contrário”.

“Há uma patologia de princípios. Para compreendê-la melhor, falta e exige-se um ferramental de análise que forneça uma nova base teórica, a partir da qual se torne possível descrever a ação jornalística na complexidade da mediação social que lhe própria, bem como as implicações éticas que daí derivam, no plano da consciência e em termos de responsabilidade individual”.



Parte IV

Propostas Teóricas


Pg 113

*Descrição pragmática da ação jornalística

“E Van Dijk define que o ato de fala próprio do jornalismo é o de asseverar (do latim asseverare - afirmar com certeza, segurança)”.

“A conexão teórica entre jornalismo e pragmática está no reconhecimento que a utilização da língua não se reduz a produzir um enunciado, senão que esse enunciado é a execução de uma ação social”.

“Teuns van Dijk trabalha com a idéia de que o conceito de sucesso se refere à modificação de um estado em outro - ou seja, sucesso se produz quando, “ em um determinado estado, se agregam ou suprimem objetos ou quando os objetos adquirem outras propriedade ou passam a relacionar-se entre si de outra maneira”.

Outro aspecto importante dessa elaboração lógica: a modificação do estado se dá ao longo de um certo tempo. Isto é, o estado final de um sucesso é posterior ao estado inicial – e as modificações podem ocorrer em várias fases dialeticamente sucessivas, através de uma série de estados intermédios. A essa dinâmica van Dijk chama de processos”.


Pg 116

“Sendo o jornalismo um processo social de ações consciente, controladas ou controláveis, esse processo se concretiza se os fazeres jornalísticos ( envolvendo o uso de técnicas para a produção de uma expressão estética) forem cognitivamente controlados por intenções inspiradas nas razões éticas que dão sentido social a esse processo.”

Porque as ações são conscientes e têm conseqüências sociais relevantes, o jornalista é responsável moral pelos seus fazeres.”

“Se a intenção controla conscientemente o fazer, então determina os procedimentos técnicos e inspira as buscas e as soluções estéticas.”

“A intenção é, portanto, a liga abstrata que funde ética e técnica, na busca de uma estética significativa para o processo.”

Dado que a razão ética primordial do jornalismo é a de viabilizar asseverando, o acesso ao direito de informação, a estética significativa a ser alcançada pelo jornalismo é a do relato veraz - isto é: o relato do que em verdade foi visto, ouvido e sentido pelo mediador.”

“A ação jornalística se esgota no seu ato de asseverar, quando a mensagem é lida. Os efeitos derivados, em forma de comportamentos ou novas ações sociais, fazem parte da esfera criativa e livre do receptor, inserido em suas próprias circunstâncias sociais e seus interesses. Os comportamentos e as ações sociais derivadas dos atos comunicativos do jornalismo realimentam o processo social, provocando transformações nos cenários da atualidade e da ordenação ética e moral da sociedade.”

“Trabalhamos, , com a noção de que a essência é o indispensável de uma coisa, o fundo do ser. Sem intenção não é possível agregar, no fazer criativo do jornalismo, a ética, a técnica e a estética, tríade inseparável dos processos complexos de comunicação.”


Pg 117

“Na concepção do modelo, as fronteiras para as interferências dos autores e atores sociais estão totalmente abertas nos três pólos de interação: com a sociedade, que estabelece princípios e costumes, por tanto, as razões éticas e morais; com a atualidade, representada não apenas pelo que acontece mas, também, por aquilo que as pessoas querem dizer e saber sobre o que acontece; e com a recepção ativa, onde se dá o encontro de expectativas e perspectiva. A ação jornalística ocorre e desenvolve-se na dinâmica desse tripé e integrada a ele.”


Pg 118

“A palavra interesse é a que mais se repete nas definições do que seja jornalismo, simbolizado na notícia, sua expressão de essência.”

Notícia é um fato ou uma idéia precisos que interessa a um amplo número de leitores. Entre duas notícias, a melhor é a que interessa a um maior número de pessoas”. (Lyle Spencer)

Notícia é o que os jornalistas acreditam que interessa aos leitores. Portanto, notícia é o que interessa aos jornalistas”. (Herráiz)

“Os periódicos publicam um variado tipo de informação segundo diferentes núcleos de interesse em seus leitores”. (Paul Sheerhan)

“Os acontecimentos mundiais constituem o material básico do jornalismo, desde que interessem ao público” (Frase Bond)

Interesse é aquilo por que a razão se torna prática, isto é, se torna causa determinante da vontade” (Kant)


Pg 119

“Chamo de interesses a orientações básicas que aderem a certas condições fundamentais da reprodução e da autoconstituição possíveis da espécie humana: trabalho e interação. (...) Pelo fato de a reprodução da vida estar determinada culturalmente, ao nível antropológico, pelo trabalho e pela interação, os interesses do conhecimento comprometidos com as condições existenciais deste trabalho e desta interação não podem ser concebidos nos quadros referenciais da biologia, próprios à reprodução e à conservação da espécie. A reprodução da vida social (...) não pode, de forma alguma, ser adequadamente caracterizada sem o recurso às fontes culturais da reprodução (...) A analogia com o jornalismo é irrecusável e perfeita.”

“O interesse pode ser considerado, portanto, o atributo de definição do jornalismo. é notícia o relato que projeta interesses, desperta interesses ou responde interesses. Esse atributo definição pode alcançar maior ou menor intensidade, dependendo da existência, em maior ou menor grau, de atributos de relevância no conteúdo”.

“Ao que consideramos atributos de relevância Warren chama de elementos da notícia, e propõe que sejam oito: atualidade, proximidade, proeminência, curiosidade, conflito, suspense, emoção e conseqüências”.


Pg 120

“A complexidade dos conflitos em que interage e a preponderância do componente interesse nesses conflitos impõe ao jornalista o dever vital de se conectar a princípios éticos. Esses princípios devem determinar as intenções controladoras das ações jornalísticas tendo como motivo o interesse público.”


Pg 121

Não basta, porém fazer o relato veraz tem que existir a explicitação das intenções”.




O Autor

Manuel Carlos Chaparro é doutor em Ciências da Comunicação e professor de Jornalismo na Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo. É jornalista desde 1957. Ao longo da carreira jornalística, por quatro vezes conquistou distinções no Prêmio Esso de Jornalismo. Formou-se em Jornalismo pela ECA-USP em 1982. Concluiu o mestrado em 1987 e o doutorado em 1993. Aposentou-se em 2001.

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